OUTONO | SN |
Nada menos exacto que supor que o talento constitui privilégio dos novos. Não. Nem da mocidade, nem da velhice. Não se é talentoso por se ser jovem, nem genial por se ser velho. Nunca compreendi a hostilidade tradicional entre velhos e novos. Ser idoso não quer dizer que se seja necessariamente intolerante ou retrógrado. Engana-se quem supuser que a juventude, por si só, constitui garantia de progresso ou de renovação mental. As grandes descobertas, que ilustram a história da ciência e que contribuíram para o progresso humano são, em geral, obra de velhos sábios. Juventude e velhice não se opõem, completam-se na harmonia universal dos seres e das coisas. A vida não é só o entusiasmo dos moços ou a reflexão dos velhos, nem audácia de uns ou a experiência de outros. Nada se ganha em cavar um abismo entre juventude e velhice. Uma é, fatalmente, o prolongamento da outra. Intelectualmente há muitos idosos bem mais frescos que muitos jovens.
Apesar de tudo isto, a sociedade aprova e até alicia um certo divórcio entre novos e velhos. Basta ver como os mais novos despejam os mais velhos em lares. Se os velhos têm nas novas gerações, a força radiosa do futuro e um instrumento de compreensão e de difusão da sua obra, os novos devem aos velhos a formação do seu espírito, a educação da sua sensibilidade e a capitalização de muitas riquezas.
Contra esta maré, onde faltam afectos e sobram ditas faltas de tempo, é justo destacar o esforço de algumas entidades que, mesmo em tempo de crise, procuram construir confortos e, até, diversificar mimos, rejeitando ser armazéns continuados de velhos, onde tudo se repete de uma forma terrível e fastidiosa, e vão tratando as pessoas no respeito pelos dogmas de que um corpo é mais que um corpo e a vida é mais que a vida. É que, por mais enfraquecido e decrépito que esteja o corpo, a alma ainda pode estar repleta de energias, de desejos, de alegrias, de recordações e de sabedoria.
SILVA NETO 2011
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